PSICÓLOGO ANTONIO CARLOS ALVES DE ARAÚJO- TERAPIA DE CASAL E INDIVIDUAL-
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Página central com textos inéditos na psicologia
Solidão
ou conviver com uma relação fracassada?(Análise psicológica do “antes só do que
mal acompanhado”)
A primeira conseqüência para tão
freqüente parábola moderna é o extremo desgaste ou cansaço de nosso espírito.
Parece que para muitas pessoas o dilema apresentado se torna inexorável em
determinada altura da vida, seja por carências antigas oriundas da família ou
traumas afetivos. De nada adianta alguém lembrar a pessoa sobre o otimismo ou
que sempre há uma saída, pois simplesmente o sujeito vê tudo nessa parte como algo
inatingível. Não se trata nem de
depressão ou conformismo, mas total inércia perante um desejo que jamais se
realiza.O que sempre me chamou a atenção nestes anos todos de prática
profissional, é o longo tempo que muitos demoram a perceber que a escolha do
parceiro foi totalmente errônea. A razão disso é o famoso preconceito e
condicionamento que se precisa de tempo para se conhecer intimamente alguém, ou
então ficar na expectativa de que o mesmo irá mudar e algum dia preencherá
nossos anseios. Essa tradição é totalmente falsa, na verdade afirmo
categoricamente que só precisaríamos de cerca de um mês para conhecermos
alguém, desde que não fôssemos tão tímidos e expuséssemos francamente nossas
metas e modo de ser.
A
grande verdade talvez é que a maioria das pessoas nunca almejou escolher
realmente a pessoa certa, mas tão somente seduzir, possuir e conquistar, uma
espécie de extensão do consumismo vigente sobreposto na área emocional. Outro mito
absurdo é o de que os opostos se atraem, exatamente o contrário, principalmente
num esquema de vida e sociedade tão intolerante e excludente como o nosso. Por
outro lado seria direito de todos supostamente trocarem com pessoas parecidas,
minimizando as raízes dos conflitos. O fato não é descobrir que o outro é
exatamente diferente, mas perceber que simplesmente ambos estão totalmente
presos na esfera do ódio ou qualquer outro tipo de sentimento negativo que os
torna idênticos, independentemente dos motivos das discussões. Está custando caro em nossa era as duas
esferas; seja a solidão ou um relacionamento totalmente mal sucedido. Com o
fim dos papéis impostos outrora entre homem e mulher a relação caiu na mais
absoluta competição e disputa. Não que o modelo antigo fosse mais saudável, mas
tinha a certeza de uma certa segurança e continuidade. O problema atual com tal
liberdade é que a mesma cobra o preço altíssimo do pânico à solidão, que faz
com que a pessoa não consiga mais discernir sobre como um relacionamento a está
afetando sob todos os aspectos. Infelizmente o que vale é vencer, não perder,
seduzir e coisas afins. A variante do apego sustenta o sofrimento no mais alto
grau.
A
solidão em síntese seria a impossibilidade de conviver com as diferenças que
não batem com o projeto pessoal e hermético do indivíduo, assim como a
incapacidade talvez do mesmo em atrair algo semelhante com seu anseio ou desejo,
não necessariamente sexual, mas sobretudo comportamental. Solidão é uma espécie de gozo individual
através de uma certeza constante de desfrutar de sua rotina, desejando
contraditoriamente alguém e sabendo de que a suposta pessoa pode interferir em
seus planos individuais; um grande conflito com toda a certeza, mas o fato é
que o desejo do encontro jamais cessará. Infelizmente em nossa era se procura para
não achar. A verdade é que quase todos apenas conseguem vivenciar todos os
sentimentos que se parecem com a mais pura dependência: paixão, apego, ciúmes
como exemplos, e infelizmente não há o mesmo êxito na arte da doação ou
renúncia, assim como na aceitação do outro ou o convívio com suas diferenças.
Todas as futuras tribulações são causadas exatamente por todos desejarem apenas
que sejam servidos, deixando suspensas suas responsabilidades e doações
afetivas. O egoísmo há muito é um carcinoma constante dentro dos
relacionamentos, e parece que hoje em dia é encarado com a máxima naturalidade,
sequer causa estranheza ou vergonha, assim como a inveja, embora todos vivam
disfarçando esses sentimentos. A acentuação egóica na esfera emocional sempre
será um fator do mais puro conflito e sofrimento, apesar de todos estarem cegos
sobre esse ponto.
É claro que numa cultura totalmente
narcisista ninguém irá se importar com seu semelhante, e sim cultuar sua
suposta superioridade, seja no lado econômico ou estético. A própria sedução só
deixaria de ser um elemento destrutivo se houvesse uma certeza de continuidade
do investimento no parceiro, e não apenas para atingir simplesmente uma meta de
conquista. O “antes só do que mal acompanhado” reflete que ambas as opções só
produzem insatisfação, infelicidade e deterioração da capacidade da troca. Se
constantemente estamos infelizes ao lado de alguém, ou passamos boa parte do
tempo solitários, é mais do que certo de que nossa capacidade de divisão e
compartilhamento será afetada. Antes só do que mal acompanhado reflete também
uma desistência ou total conformismo perante a derrota na esfera emocional.
Claro que não estou pregando que ninguém tenha de aturar um relacionamento
fracassado, mas deverá descobrir porque constantemente atrai tipos totalmente
opostos em relação aos seus anseios. Os
conflitos que vemos nos relacionamentos realmente seriam uma espécie de defesa
ou proteção para a pessoa que se sente desprestigiada ou mal amada? Ou teriam o
sentido de mascarar a grande agonia por ter uma responsabilidade afetiva e
sexual para com o outro?
A questão sobre o que atraímos em termos
de relacionamentos ainda é um grande mistério. Como via de regra se atrai
alguém que irá causar tanto conflito e dor? O próprio FREUD também se confundiu
nessa área, ao assinalar que o princípio básico do inconsciente era a busca de
prazer. Mas se o mesmo era o soberano, como ficava a questão do sadomasoquismo
nas relações sexuais? Então formulou o conceito de que havia dois instintos;
EROS- instinto de vida e preservação da mesma, através do gozo e ato sexual, e
THANATOS- instinto de morte e retorno ao inanimado, destrutividade em todas as
esferas. Embora polêmica até hoje, tal tese merece não apenas nosso respeito
mas, sobretudo mais empenho e estudo. O fato é que se existe um instinto de
morte quando o mesmo se instala? Diria que quando o sujeito tem a certeza
subjetiva de ter sido um estorvo ou rejeitado familiarmente e em conseqüência
ter tido uma vida afetiva conturbada. Tudo isso parece muito óbvio, mas o fato
que quase ninguém se dá conta é que a rejeição sempre é fruto também da
comparação com outras pessoas ou famílias, que exacerbam a inveja e frustração
do indivíduo. O instinto de morte
significa sobretudo que o critério e julgamento não dependem mais da pessoa,
mas totalmente do ambiente ao seu redor, não há mais espaço ou chance de amor
próprio, pelo menos é assim que o sujeito sente seu drama diário.
Qualquer pessoa não muito inteligente
sabe que a destrutividade humana se iniciou quando se trocou a solidariedade e
cooperação por competição e disputa. Mas qual afinal a razão de se procurar um
gozo no destaque? Em outros estudos mencionei o desejo de imortalidade que inunda todas as formas de poder. Este é
outro ponto em que há uma brecha na teoria psicanalítica; o gozo sexual e
fantasias do gênero são buscados a cada segundo como apregoa o ramo psicológico
citado, porém não são páreos para o desejo de imortalidade citado, pois apenas
o “poder terreno” tem o derivativo de estabelecer supostamente uma dinastia de
continuidade. O prazer tem o efeito totalmente diluído quando se adentra a
questão não apenas do sentido da vida, mas os fatos inexoráveis da mesma, a
morte como exemplo máximo. O prazer acaba
sendo um derivado da ilusão da conquista
e sedução, sendo imagens arcaicas de natureza sexualizada que carregamos
conosco; o poder como foi mencionado tenta desviar o acerto de contas acerca da
finitude de nossa existência. Seja a pessoa narcisista no sentido estético
ou erótico, por se achar bonita e desejável ou aquele que adquiriu um espírito
notável de liderança, ambos acabam desprezando a intimidade e cumplicidade de
um relacionamento, justamente por esse compromisso de um ego arraigado em si
mesmo.
O
certo seria considerar todo projeto individualista como o ápice da loucura. É óbvio
que tal conceito está totalmente na contramão da sociedade egoísta e
competitiva. Todos desejam sucesso, crescimento, poder e prazer, dentre outras
coisas, e é mais claro ainda que o exagero em uma dessas áreas é que provoca
todos os problemas individuais e sociais. Mas será que os elementos citados que
todos buscam são para poucos? Há mecanismos inconscientes ainda pouco estudados
de atração e repulsão, levando o sujeito para determinada corrente ou destino.
O pólo individualista é loucura pois todo o esforço se perderá caso não haja
divisão ou continuidade. A mais profunda
tristeza e aridez afetiva serão o testamento daqueles que sempre temeram ser
explorados em vários aspectos, retendo tudo o que puderam. No final das
contas existe uma tremenda contradição no modo de vida em nossa atualidade,
pois se todos almejam mesmo a continuidade ou imortalidade ao menos
simbolicamente, deveriam aprender não apenas a arte da divisão, mas do
ensinamento profundo para com o outro. Coisas complicadas e difíceis num mundo
mimado que deseja tudo pronto sem lutar para a melhora ou construção de algo
original.
Como disse no começo do estudo ambas as
opções são péssimas, tanto a solidão quanto um relacionamento fracassado. Mas
devemos examinar a fundo a gênese desse sofrimento todo. O grande vilão é a
posse e o terrível sentimento de perda, que ninguém em nossa atualidade deseja
para si próprio. Parece muito fácil a resposta, mas poucos percebem que a posse
é uma defesa psicológica das mais vorazes contra a sensação devastadora do
sentimento de desamparo. Outro problema
extremo é que a posse mascara e adia a terrível angústia de num futuro próximo
ter de lidar com a saudade, por mais negativo ou frustrante que fosse o relacionamento.
Há mais de uma década percebo que há um consenso nessa área amorosa, e o
mesmo passa por simplesmente não ficar sozinho ou ser abandonado. Infelizmente
as coisas acontecem contra o sonho ou vontade de quem investiu tanto em
determinado desejo. É óbvio que uma sociedade que evocou tanto a liberdade
negativa e até diria promiscuidade nas relações, e ainda a timidez em relação a
se entregar profundamente para o companheiro, colherá a imprevisibilidade neste
setor no mais alto grau possível. Querer a posse, mas almejar ser livre ou sem
obrigações (o “moderno ficar”); a leitura dessa contradição nada mais é do que
o egoísmo e mimo num grau alarmante para as necessidades pessoais e coletivas.
Para chegarmos realmente ao âmago da
questão precisamos refletir o porque da extrema dificuldade de compreensão para
com o companheiro, e mais vital ainda, quando a mesma seria positiva ou
prejudicaria a pessoa? Realmente tal proposição irá despertar a ambição das
pessoas no tocante a uma saída para determinada questão. Quando realmente podemos mimar uma pessoa sem afetá-la; como equacionar
a questão sobre a anulação pessoal com o outro durante a vida toda versus a
impulsividade e agressividade que só agregam solidão e desespero. Isso tudo
representa o divisor de águas entre a antiguidade e nossa era atual se paramos
para pensar com mais cuidado. Parece que ambos os modelos falharam ou
continuarão falhando no tocante à busca da felicidade ou satisfação do
indivíduo. Aliás, cabe colocar o que seria realmente a felicidade em nossos
tempos, e a resposta soa com naturalidade: vencer sempre o processo de
competição e comparação com determinada pessoa ou grupo. Essa tarefa
determina a síntese de nossa solidão. É
bastante claro que poucos vencerão tal dilema criado por nossa sociedade; se a
cada dia o ser humano se torna mais individualizado ou egocentrado, obviamente
ficará mais difícil encontrar alguém que supostamente o tolere ou até adivinhe
suas mais profundas necessidades.
A psicanálise e psicologia
historicamente insistiram no conceito de Édipo ou familiar para trazer as
neuroses da pessoa, supostamente o desbloqueio disso seria a felicidade; total
engano, pois a mesma seria o hábito e
possibilidade de treiná-la e exercitá-la desde os mais remotos tempos de
infância, não apenas tomando como exemplo o amor entre os pais, mas sobretudo o
quanto estimulou a criança para vir a ser realmente alguém especial e íntegro, em
todas as etapas de seu desenvolvimento. Mas não seria até um tanto simples
passar esse amor ao filho, ou determinados problemas econômicos e psicológicos
se sobrepõem perante tal tarefa? Na essência o que torna alguém fraco ou
pusilânime é a convicção que passará por todas as dificuldades sem nenhum
apoio. A solidão máxima é ter de
desbravar a estrada do sofrimento sem nenhuma companhia ou garantia de afeto. O
problema passa além da dificuldade, mas sim ter de lidar com o inesperado
absolutamente sem nenhum conhecimento prévio, problema mais do que genético na
raça humana.
Esmiuçando um pouco mais a questão, como
se forma o processo exagerado da solidão ou então solidão a dois e relações
mais do que intempestivas? Em diversos outros estudos evoquei o problema da
timidez não apenas como medo e afastamento perante a crítica, mas o não
engajamento na arte da troca. O tímido
odeia falar de si próprio por não aceitar em hipótese alguma que alguém exponha
determinada fraqueza sua, o que torna uma construção de poder ao contrário,
domina pela não participação, não passando por apuros emocionais. Pois bem,
esse núcleo já se forma na personalidade desde a infância, quando a criança
sentiu determinado prazer ou vantagem ao vivenciar uma espécie de prazer quando
estava sozinha, ao contrário do que muitos possam pensar de que a mesma
acabaria chorando ou entrando em pânico. O gozo de não dividir ou desfrutar
apenas para si própria se instala exatamente nesse momento. É como se fosse um pagamento devido ao
tímido por ter que aturar a solidão, já que passou por tão terrível
experiência, justificando eternamente seu egoísmo, agora sancionado por uma
teoria macabra de sua mente. Obviamente o receio da crítica continua vivo, caso
o tímido adotasse outra postura. Os pais deveriam estar atentos para que as
crianças não se habituassem com práticas comprometedoras de sua sociabilidade,
percebendo quando seus filhos se deleitam ao estarem sozinhos e sem quaisquer
responsabilidades para com o próximo.
Um
novo problema que podemos inferir nesse estudo é o que chamo de solidão a três.
Defino como uma estagnação ou paralisia do casal frente a novos contatos ou
amizades, seja por ciúmes de um ou ambos os parceiros, ou por absoluta
comodidade do casal. O efeito de tal conduta é o incremento não apenas da
insatisfação da relação, mas também intensas crises conjugais e até
existenciais. O casal sempre irá incorrer no declínio ao se recusar
a oxigenar sua história e sociabilidade. Quem amarga à plenitude da solidão
vive queixoso, mas também é uma certa unanimidade se falar do distanciamento
que uma paixão ou amor provoca no meio circundante do casal. O mais inacreditável é exatamente isso,
tanto aquele que não tem absolutamente ninguém, quanto o que se entregou quase
que na totalidade à sua paixão, sofrem quase sempre da mais absoluta carência,
angústia e insegurança. Os históricos de ambos os processos quase sempre
culminam numa rota de privação e fome afetiva. Também em outros trabalhos meus
observei que o problema amoroso pode se
tornar totalmente destrutivo, tanto psicologicamente quanto fisicamente, e
quase todos já perceberam esse terrível fator. As seqüelas de uma relação
frustrada exacerbam todo tipo de sintomas psicossomáticos, sendo que na
experiência clínica já me deparei deste uma simples gastrite até o surgimento
de um câncer fulminante, pela soma intensa de sofrimento e frustração. Mas como
perceber quando o caminho amoroso converge para a destrutividade? Afora as
brigas e discussões intermináveis de um relacionamento que jamais dará certo, diria que o fator primordial é quando se
coloca totalmente no outro uma expectativa de redenção ou uma auréola de
salvador da afetividade do sujeito. Esse é o caminho mais curto para o
desenvolvimento da destrutividade descrita, pois caso a união não dê certo, o
físico já está à espreita para se manifestar.
A transposição para um outro ser humano
de uma espécie de conteúdo mítico ou de caráter de redenção só piora tudo, como
historicamente assistimos a transposição da religião para o personalismo dos
líderes na era do comunismo, causando todo tipo de violência e atrocidades que
a história demonstrou, não que nosso sistema também não faça tal coisa, a
diferença é a camuflagem. Lamento desapontar àqueles que são viciados em se
anular ou entregar seu ego na totalidade para o parceiro, mas a verdadeira
experiência amorosa requer a extinção do medo, infantilismo e solidificação da
confiança por parte de ambos. Se um dos parceiros não desenvolve o exposto, não
tardará para que todo tipo de problemática surja rapidamente. Nenhuma
racionalização por melhor que seja consegue superar um abalo emocional. Porém,
é mister cada um fazer uma espécie de inventário quando a relação terminou e
descobrir onde se localizou o pólo central da destrutividade. Este pode ser
definido não necessariamente pela agressividade, mas simplesmente pela recusa
de um ou ambos de aproveitarem a oportunidade do prazer a dois. Se alguém
abdicou do parceiro que realmente provou seu valor ou amor, não se pode tolerar
ou permitir o sofrimento da perda, e sim compreendermos a estrutura doentia da
personalidade de nosso ex-parceiro. Não se trata de treinar ninguém para uma
suposta autoconfiança forçada, mas simplesmente encarar a realidade. Perceber
que o núcleo da destrutividade citada se exacerbou justamente pela incapacidade
de um ou ambos em lidarem com o conflito é fundamental.
Temos talvez de encarar o fato de que
talvez nosso parceiro ou nossa própria pessoa sempre desejou caminhar pela
trilha da mediocridade. Quanto inconformismo por não se poder canalizar a
energia em alguém que não apenas se recusa em aceitá-la, mas também não deseja
a evolução, e pior ainda, tal pessoa sabe que talvez seu parceiro seria o ideal
para ajudar na concretização disso tudo. A revolta, depressão e tristeza se
instalam exatamente neste ponto. Tal
processo poderia ser confundido com sabotagem, mas a verdadeira análise é que
se trata de uma inveja fulminante contra o outro, sendo assim, vale a
autodestrutividade simplesmente para não coroar o potencial do companheiro.
Infelizmente para muitos, discutir tal fenômeno ainda é uma espécie de tabu.
Quem trabalha com casais simplesmente cansou de ver relacionamentos fracassarem
justamente quando a inveja se instalou no cotidiano do casal.
Quando
há uma extrema dificuldade de superar uma relação que se rompeu, mesmo que se tenha a certeza de que não haveria a mínima chance de dar certo, podemos
fortemente suspeitar que não é apenas a posse, o medo de ficar sozinho,
sensação de derrota, ciúmes de ser trocado; além desses elementos citados, o
que soa mais alto é o mais puro complexo de inferioridade agindo de uma forma
bastante camuflada, através de um tipo que chamaria de gratidão mórbida pelo
ex-parceiro ter ficado ou desejado o sujeito algum dia, já que no inconsciente
da pessoa acometida por esse problema a carência e miserabilidade afetiva
reinam em absoluto, fazendo com que desenvolva uma certeza de que nunca mais
alguém irá desejar sua companhia. Quanto menor a autoconfiança ou maior a
rejeição a si próprio, mais apego às imagens e acontecimentos do passado irão
ocorrer.
Voltando ao problema da inveja creio que
sua superação equivale ao ser humano trabalhar o pânico da morte, ambos são a
grande medida para o autoconhecimento. Seria fundamental fazermos sempre uma
retrospectiva de quanta inveja sentimos no transcorrer de nosso
desenvolvimento. É a máxima ingenuidade possível achar que um casal que se ama
não desenvolveria a inveja no núcleo de sua relação; mesmo entre pais e filhos
a mesma se instala corriqueiramente; a intimidade seja ou não de natureza
sexual, jamais irá blindar o sujeito contra investidas emocionais das mais
variadas formas e categorias, principalmente as consideradas negativas. O epicentro da inveja não deixa de ser uma
grande desculpa criada pelo indivíduo por ter vivido um passado de carência e
privação emocional, assim sendo, acha que todos lhe devem, se tornando mimado e
desenvolvendo comportamentos destrutivos para com seus semelhantes, já que só
visualiza seu ego, sendo um total explorador de seu meio, coisa natural para o
mesmo. Suas armas incluem a sedução, mentira e falsas promessas de ser alguém
presente. Apenas por um breve momento consegue fornecer o que o outro
necessita, justamente pela sedução apontada anteriormente.
Talvez o grande problema é focar sempre
no dano que o outro nos causou, ao invés da reflexão profunda sobre incapacidade,
despreparo e histórico de carência emocional. O traçado deste último não é uma
espécie de maldição, mas tão somente a somatória do que não conseguimos
resolver ou vivenciar a dois. Particularmente detesto a velha máxima de que não
podemos culpar o outro por nossos problemas, é que tal ditado sempre deixa a
porta aberta para que o outro possa fazer o que bem entende; pois bem, mas a
proposição inicial é acertada do ponto de vista racional, devemos primeiramente
nos concentrar em nossos próprios erros. Culpando ou não alguém, o problema é
que quase sempre permanecemos na mesma situação, famintos daquilo que sempre
necessitamos. A velha lenda criada por
JEAN PAUL SARTRE se fortalece nesse sentido, “o inferno são os outros”, justamente pelo poder do outro de amplificar o que não
resolvemos ou vivemos. Como disse acima, se a carência leva a santificar ou
transformar o outro numa espécie de salvador da afetividade, podem apostar que
a relação não tarda a se tornar tortura sendo que um dos parceiros fará o papel
de algoz do lado emocional do outro. Não esqueçamos que a carência é sinônima
de privação, e a sociedade aprendeu a excluir totalmente aqueles que mais
necessitam de apoio e amparo, ao mesmo tempo em que contraditoriamente fomenta
a autopiedade e solidariedade no sofrimento neurótico.
Outra coisa que ajudaria em demasia é se
os pais desde cedo se ocupassem não apenas com a garantia econômica de seus
filhos, mas, sobretudo os observassem atentamente na infância e adolescência a
fim de notarem se estão desenvolvendo comportamentos de irregularidade afetiva
e timidez. Um ser humano inteligente sabe que para se viver com satisfação e
dignidade neste mundo não basta apenas a sobrevivência como foi na era
primitiva do ser humano; mais do que nunca nossos tempos colocam o desafio
imenso da parte pessoal e psicológica, totalmente negligenciado e que acarreta
todo tipo de distúrbio psicossomático e emocional. Enfim, tanto conflito,
disputa de poder nos relacionamentos, qual a verdadeira origem de tamanha
dificuldade? Será o casamento apenas um ícone obsoleto pregado pela cultura
religiosa ou tem alguma chance de evolução? A resposta final é que todo o
exposto neste estudo é reflexo de um fenômeno bastante simples, nunca em nosso histórico
de vida priorizamos a parte pessoal, apenas isso, quando não há treino ou
condicionamento físico, pode apostar que o jogo já está mais do que perdido.
Encaramos afeto como simples distração ou apenas alguém para não ficarmos
sozinhos, e a verdade é que cada dia mais todos os processos sociais de
disputa, inveja dentre outros, adentram enormemente a relação pessoal, e
simplesmente nos sentimos impotentes ou indolentes para reagirmos perante tal
tragédia. Creio que apenas cada um em seu íntimo pode operar uma profunda
reflexão que possa levar a uma radical mudança comportamental, desde que o
indivíduo anseie por isso é claro. Por
último, a máxima do “antes só do que mal acompanhado”, vale precisamente quando
o suposto prazer da relação seja sexual ou não, é fonte de tormento, distúrbio
e rouba por completo a valiosíssima paz de espírito, tão difícil em nossa
atualidade.